Ali mesmo, quase no centro de Mangualde, ao lado da antiga Clínica do saudoso Dr. Dino Furtado, ergue-se o ainda imponente e majestoso edifício, que foi o Cine Teatro de Mangualde.

Lembro-me dele  desde sempre, pois caminhava-lhe, quase diariamente, a sua rua, onde o Cine Teatro era senhor,  pela distinção e elegância da sua arquitectura e pelo seu estar sólido, altivo e sobranceiro, mas, simultaneamente, amigo e convidativo, de soberbas portadas abrindo num terraço de granito, qual sóbrio e belo hall exterior, com as bilheteiras à direita… e os cartazes do próximo filme ou já em exibição, á esquerda.

Nas minhas idas e vindas para e de Mangualde, era rotina sagrada ir sempre lá ver os cartazes, que me quedavam de pasmo e encanto, saber qual o próximo filme, quem eram os seus heróis ou artistas, olhar-lhes as fotos expostas, se era ou não para maiores de 12 anos… e depois, pensar onde ir buscar os tostões para  o bilhete, uma geral, para a matiné de domingo ou soiré de sábado.

Naquele tempo as televisões eram ainda raras em Mangualde, só a podia ver no Patronato, no restaurante do 9 à Hora e na pensão da Russa, e ir ao cinema então era  o espectáculo maior, lado a lado com festas, romarias e os jogos do Desportivo de Mangualde, o resto eram estudos, trabalhos campestres, lúdicas brincadeiras e jogos, etc… como gostei desse tempo… simples, mas puro e lindo!

Nessa meu Mangualde dos anos 50, 60 e 70, o Cine Teatro era a nossa fantasilândia, a nossa terra de sonhos e de viagens a outros mundos e outras vidas.

Foi ali que vi pela primeira vez índios e cowboys,  embora na tela, filmes esses que os mangualdenses viviam em contentamentos, como se deles fossem parte… nas pessoas do John Wayne, Burt Lencaster, Glen Ford, Rock Hudson e outros … e que nos espantavam  na grandeza e colorido do écran a Thecnicolor ou Cinemascope, dos Últimos Dias de Pompeia com Steve Reeves, do Ben Hur com Charlton Heston, , dos Dez Mandamentos, Quo Vadis, etc…

…. ou encantados nos trinados únicos dos filmes do Joselito, o rouxinol de Espanha,  da Marisol… e nos rires sem fim dos muitos filmes do Cantinflas… sem falar nos mais fabulosos filmes e revistas, com os melhores artistas portugueses de sempre, os dos anos 50, que foram e são o ouro da filmografia portuguesa, que eu tenho visto ao longo da vida sem parar, agora em casa.

Foi este mundo intenso e maravilhoso, feito dumas parcas horas de sonhos por semana, que nos transportavam a mim e aos mangualdenses, para lá da limitada realidade provincial em que vivíamos, que o Cine Teatro de Mangualde nos proporcionou a todos… anos seguidos … e que ora aqui lhe agradeço.

Eram fantasias sim, mas a mim e aos amigos, fizeram-nos um bem que não esquecerei nunca… porque, nelas embrenhados, fugíamos ao nosso pequeno mundo, mergulhando noutros mundos, em fugazes banhos de alegrias e felicidades, feitos dos filmes ali exibidos,  fantasias essas que eram Sóis brilhando, lá no alto, das nossas vidas jovens.

A ida ao Cine Teatro era sempre uma festa, ansiada e imaginada semana fora!

À hora combinada… eu, os Barrosos, o Zé e o Manel Nunes, o Zé do Gaio, o Zé Pintinhas, etc.… lá íamos a caminho do cinema… quais descuidadas andorinhas em busca de efémeras primaveras.

E o Cine Teatro recebíamo-nos de iluminadas e vastas portas abertas, ornadas de reluzentes fardas vermelho escuras e douradas a dragonas… vestidas em respeitáveis senhores… que nos verificavam os bilhetes… e, logo ali, na galeria dos corredores de acesso à plateia e ao balcão, éramos principescamente recebidos em sorrisos estrelados pelos monstros sagrados de Hollywood, Clark Gable,  Gary Grant, Gregory Peck, a Marylin Monroe, Brigitte Bardot, Elizabeth Taylor, etc…

Nós íamos para a geral… mais económica e mais conforme com os nossos bolsos, por norma vazios de nada… bancos corridos de madeira… lá no alto… foi aí que eu vi o primeiro filme da minha vida com o meu pai, aos seis anos de idade e depois muitos outros até á idade adulta… sempre com os meus amigos.

São tantas e tão fortes as memórias e saudades que tenho do Cine Teatro de Mangualde, e de todos os filmes que ali vi e, das brincadeiras sempre presentes entre nós quando a eles assistíamos, que parecem não acabar… tantas, que não cabem aqui.

Estas palavras são apenas uma pequena romagem de saudade aos tempos gloriosos do Cine Teatro, que era então a estrela e a pérola cultural e recreativa da Vila, ora distinta Cidade, de Mangualde… era a Casa dos nossos Sonhos, que ali nos eram dados viver, que nos trouxe a todos divertimento e cultura, em espectáculos vários e contínuos, que os Mangualdenses nunca esquecerão…

Depois chegaram novos tempos, o cinema e o teatro, com a televisão, tornaram-se mais caseiros, perdeu-se o hábito social de ir ao cinema fora de casa… o teatro e cinema fora de portas são hoje pouco apetecidos … e, inevitavelmente, o Cine Teatro fechou-se dentro de si… desceu-lhe  o pano para sempre no palco… e as três pancadas de Molière nunca mais lá se fizeram ouvir… mas sei que um dia, de novo se ouvirão; o Cine Tetro merece-o e Mangualde mais ainda.

Por ora apagaram-se-lhe também as luzes exteriores e interiores. nunca mais as fardas vermelhas dragonadas a dourados tornaram a abrir-lhe as vastas portadas e, as paredes exteriores cobriram-se da patine do tempo, no seu longo existir.

Vou gostar de O ver de novo, em breve,  de paredes lavadas, e outra vez vestido de cultura e das luzes da ribalta que foram a sua vida e, tal como dantes, grandioso, esplendoroso, útil e lindo como sempre.

José Luís da Costa Sousa.

Um mangualdense