Conheci a Austrália nas muitas deambulações dos meus afazeres e lazeres; ler ou ouvir falar da Austrália é uma coisa, vivê-la é outra; estar lá e ter de voltar é uma violação do querer e do poder; quere-se ficar, mas não se pode, excepto se se for um “aussie”, “nickname” de australiano.

A Austrália é uma paixão, que vira obsessão; lá vivem as utopias milenares que os homens imaginaram e em nenhum outro lugar realizaram; ver, para crer.

Natureza e Homens ali se uniram em harmoniosa e inteligente conjugação de saberes e esforços, fazendo dos sonhos realidades e vice versa.

Não falo das exóticas formas de vida ou da inesquecível beleza da geografia dum Continente que corre e percorre luxuriantes florestas tropicais e sub tropicais, paisagens semi desérticas e desérticas, praias intermináveis, e ilhas paraíso até ao mais belo dos recifes de coral do mundo…

Falo sim, da grandiosa obra política ali materializada, e que reverte no mais extraordinário bem estar e felicidade humana dum povo que conheci.

Ao Homem australiano, que construiu a sociedade edénica em que vive, aqui lhe rendo esta humílima, profunda e sincera homenagem de incredulidade, infinda admiração e respeito por tamanha obra.

Oficialmente descoberta pelo britânico “Capitão Cook”, os espanhóis afirmam peremptoriamente ter sido um deles, cujo nome a terá baptizado e credíveis historiadores australianos concluiram ter sido um português, Cristóvão de Mendonça, em 1522; os portugueses não sabiam, ao que parece; a atestar tal feito está por lá um padrão e moedas lusas datadas de dois séculos antes da chegada de “Cook”; Timor é ali mesmo ao lado e os portugueses chegaram lá em 1515.

Tais terras foram colónia prisional, sítio de exílios e desterros britânicos, tendo sido maioritariamente povoadas por presidiários e mulheres de vidas duvidosas para lá forçadas a embarcar.

A Austrália não é, pois, obra de eminentes luminárias das ciências políticas, mas sim de vulgares gentes, homens e mulheres simples e práticos, oriundos duma sociedade mãe, que os ostracizou por pecados vários, e que em pouco mais de dois séculos, fizeram das fantasias intelecto políticas de terceiros, um País quase único no mundo, onde hoje mora a felicidade.

Economia florescente e consolidada, pleno emprego, segurança absoluta, administração pública perfeita, sistema de saúde pública gratuito e mais que óptimo, assistência social e educação impares, patriotismo e orgulho nacional elevados, subordinação total dos interesses, liberdades e garantias individuais e de grupos ao interesse do colectivo nacional, ausência de corrupção, enfim, a melhor qualidade de vida que me foi dado conhecer por esse mundo fora; tudo isto é Austrália !

Os australianos são pragmáticos, não se alimentam de fantasias intelectualóides, nem de futebolices, ou de politiquices e ou outras tolices menores, inúteis e irreais como nós que vivemos do verbo e sempre a verborreirar; tal como todos os outros anglo saxónicos, eles são o nosso oposto; nós sonhamos, e achamos que o mundo pula e avança por tal facto; eles fazem o mundo pular e avançar e assim realizam sonhos.

Ilustrar na prática tudo o que acaba de ser dito é tarefa impossível neste espaço; fico-me por uns exemplos menores e avulso, que  vivi e constatei.

O traçado urbanístico das cidades separa as áreas residenciais, das comerciais e industriais, de tal modo que o silêncio, a quietude, a pureza dos ares, os verdes e os floridos de inegualáveis jardins são o ambiente onde o australiano reside.

As paisagens urbanas são obras primas de planeamento e organização, arborização, ajardinamento, arquitectura e manutenção; não há obras em cada esquina, não há muros caídos, nem buracos nos arruamentos, nem lixos ou ferros velhos dispersos ou visíveis, nem ruínas aqui ou ali, maus cheiros, jardins não tratados ou o que quer que seja que caracteriza o terceiro mundismo de muitos Países, que se imaginam desenvolvidos; tudo ali é perfeito.

Resultado de civismo?! Talvez, mas resultado prioritário de leis práticas e da sua aplicação com rigor e oportunidade a tudo e a todos; ali não há vacas sagradas em quem a lei não toca; a vaca sagrada é a lei, e não o seu contrário, como neste País, que é o nosso.

Coisas menores mas que falam da eficiência do dia a dia da vida australiana: – os australianos saem do 12º ano habilitados com a carta de condução gratuita, renová-la demora 15 minutos, compra-se uma viatura e uma hora depois têem-se os documentos oficiais; a mortalidade rodoviária é 32 (trinta e duas) vezes menor que em Portugal, um inquilino de má fé que não pague a renda é despejado quase de imediato pelas autoridades (em Portugal demora, demora..), as violências domésticas são resolvidas no acto,  retirando logo, se necessário, esposas ou crianças ao agressor, (por aqui resolve-se a coisa face às vítimas já cadáveres ou quase), o abono de família ronda os 150 euros por mês, todo o desempregado é subsidiado, garantem-lhe um emprego rapidamente mas, se não aceita fica sem subsídio; os estudantes sem dinheiro são apoiados pelo estado; a água é gratuita, e em certos dias e horas telefonar é de graça, etc. É um nunca acabar de facilidades e benesses, que para nós são e serão mera imaginação.

O sistema de pensões sociais é original, humano e justo; os australianos descontam ao longo da vida de trabalho um quantitativo (taxation), que pode ser maior ou menor, conforme quiserem; no fim da vida de trabalho é esse total matemático, acrescido dos juros capitalizados e acumulados, que recebem de uma vez só, ou em prestações, conforme entenderem; cada um recebe pois apenas e só o que descontou, nem mais, nem menos.

Esta solução não permite o “roubo” do sistema de previdência e aposentações, como em Portugal o fazem os gestores públicos, algumas classes de funcionários e serventes do estado e algumas profissões liberais.

Existe para além da “taxation” uma pensão de reforma, propriamente dita, que é igual para todos, tenham ou não trabalhado e descontado; aos 65 anos para homens e aos 62 para as mulheres; esta pensão é suficiente para pagar a renda da casa e viver com dignidade até à morte; só é atribuída a quem dela necessitar.

Espantado de incredulidade, foi assim, que fui tomando contacto com estas e outras realidades; um dia, numa de muitas visitas de rotina a Darwin, onde tinha pessoal sob minha supervisão, ido eu de Timor, onde integrava a missão da ONU, fui ao hospital local visitar “o meu Capitão Lino da Silva”, velho companheiro de armas em Angola, para mim, um dos últimos fortes Capitães, dignos de Portugal, pela sua resistência em Timor contra os Indonésios, entretanto naturalizado australiano e ali residente.

O Capitão L. da Silva estava colocado em Timor, terra da esposa, quando ocorreu a invasão da Indonésia, resistiu, sobreviveu, foi feito prisioneiro pelos indonésios, depois libertado e regressou a Portugal, em tempos politicamente conturbados; foi “saneado” das forças armadas, mais tarde reintegrado e depois promovido a coronel, dias antes de falecer; vi-o de lágrimas nos olhos, quando lhe chegou a notícia e disse:- “Agora, morro em paz!”.  

Pediu que lhe levassem os galões de Portugal; com amor a esposa, bordou-os à farda e só então expirou, em paz com a Pátria; soube morrer grande, tal qual como viveu, honrando até na morte o Uniforme e a Bandeira que serviu em vida; exigiu à família apresentar-se perante Deus fardado de Coronel e abraçado à Bandeira Nacional, e assim foi a cremar e as suas cinzas ao mar de Timor lançadas e, por isso, o velho Capitão é hoje chão e águas mares de Timor!

Sussurram místicas as vozes mauberes, que em noites de lua cheia, banhada em luares de prata, emerge das ondas e das cremadas cinzas, a sacra Bandeira do Portugal de outrora, solidamente empunhada pela altiva, heróica e digna figura do Coronel, que foi em vida o Capitão L. da Silva.

Esta é uma homenagem simples “meu” capitão, dum seu alferes circunstancial, que nunca teve a coragem de ser tão grande quanto o senhor.

Vem este àparte, a propósito de mais um exemplo da qualidade de vida na Austrália; ao visitar no hospital público o velho Capitão, ali vulgar nacionalizado australiano, surpreendeu-me a espantosa organização e modernidade do mesmo, a qualidade dos cuidados de saúde, o incrível humanismo e devoção de médicos e enfermeiros, o quarto individual com TV, a ementa com opções para as refeições; tudo gratuito e igual para todos.

Pouco depois teria alta, em cadeira de rodas; questionada a família no dia anterior acerca das condições da casa para tal e, sendo necessárias obras de adaptação, o hospital ordenou a sua execução imediata e gratuita; no dia seguinte, quando o senhor chegou a casa, estava tudo pronto!

Dependente de oxigénio e de terceiros, embora com esposa saudável em casa, era diariamente visitado por uma enfermeira que dele cuidava e ajudava até nos banhos; semanalmente, outra senhora passava com ele um dia, para a esposa poder sair; colocaram-lhe em casa o equipamento necessário para os cuidados de oxigénio; e tudo isto a custos zero, igual para todos, repito.

Depois deste caso foi um nunca mais acabar de espantos perante o mundo que o australiano criou; relevo o facto de ter eu ter vivido e andado pelos mais diversos países, incluindo os EUA; nenhum deles se compara, minimamente, à Austrália.

A Austrália é mais uma obra das extraordinárias e invulgares qualidades realizadoras dos anglo saxónicos, há muito grandes senhores no Mundo, e assim continuarão.

Ele há povos e povos, uns vivem de sonhos e palrações eternas como nós, outros realizam esses sonhos e residem neles, como os australianos.

José Luís da Costa Sousa

Um Mangualdense