Mangualdense, José Luiz Costa Sousa, Comandante da Polícia Civil da ONU em Timor, à data deste evento e Kay Rala Xanana Gusmão

 

Corriam os anos 2000 e 2001, os acasos da minha vida profissional colocaram-me então em Timor Leste, na função de Comandante da Polícia Internacional da ONU, no âmbito da missão  UNTAET, que ali coordenava o processo de transição de Timor Leste para a independência.

A turbulência política e de segurança pública foi uma constante nesses anos, quando volumosas manifestações populares e incidentes isolados assumiam violências, por vezes, muito graves.

Essas manifestações, e também os mais dos incidentes de segurança pública, não eram espontâneos, eram levados à execução por forças políticas e populações locais, com fins políticos e com o planeamento, apoio e coordenação encoberta dos serviços secretos australianos, como os relatórios da Polícia da ONU, baseados em provas concretas, mostravam.

Denunciar tal manipulação dos incidentes, publica ou oficialmente, seria suicídio profissional, pois a ONU é um instrumento da implementação no terreno, das geoestratégias políticas anglo saxónicas e dos seus  aliados.

O objectivo de tais incidentes era criar, manter, gerir e manipular a instabilidade da segurança no território, para justificarem o prolongamento sucessivo da missão da ONU em Timor Leste, (TL).

Prolongamentos esses da Missão, a UNTAET, necessários para a Austrália organizar, com tempo, um sistema eficiente de controlo político de TL, numa perspectiva neocolonial simpática, que lhe permitisse a exploração de petróleo, pescas e outros recursos a troco de nadas, excepto quimeras políticas, como está hoje.

Para produzir insegurança, a Austrália usou sistematicamente um partido político local, o RDTL, e uma figura histórica da guerrilha, muito carismática, conhecida pelo extraordinário nome de “El Sete”; e este foi um desses incidentes.

Uma manhã, o Representante do Secretário Geral da ONU em Timor, Sérgio Vieira de Mello, mandou-me contactar urgentemente Xanana Gusmão, pois este, muito preocupado, tinha acabado de o informar que ele, XG, ia ser objecto dum atentado contra a sua vida, naquele manhã, numa sessão de esclarecimento dirigida aos jovens, a ter lugar no Ginásio da Universidade de Díli.

Assim fiz; fui encontrar-me de imediato com Xanana Gusmão, o qual me disse que um agente dele, infiltrado essa noite numa reunião do partido RDTL, tinha registado, num gravador de bolso, uma conversa sobre um plano de atentado contra a sua vida, a ocorrer nesse dia, na tal sessão de esclarecimento.

Ouvi a gravação, era clara, e indicava a intenção e a existência de um plano para assassinar Xanana naquela sessão no ginásio ( sem detalhe algum).

Não havia então ainda Polícia Timorense e a Polícia da ONU, sob meu Comando, montou o dispositivo necessário, para fazer face ao alegado atentado.

Por ser uma situação grave, decidi estar presente no ginásio, onde decorria a sessão de esclarecimento dirigida aos estudantes universitários, presidida pelo Xanana Gusmão e pelo então Comandante Mata Ruak das Falintil, que foi mais tarde Primeiro Ministro e Presidente de Timor, depois de Ramos Horta.

As bancadas do ginásio, em torno do campo de jogos, estavam repletas de jovens; o tema da sessão era o porquê da desmobilização das Falintil.

O tema era delicado e irónico; os que, de armas nas mãos, lutaram no mato 25 anos pela independência, tinham sido despedidos e passaram a ninguéns.

Coisas da política e ordens da ONU.

Os idealistas e experientes guerrilheiros seriam sempre um perigo para o novo sistema político, dependente da Austrália, caso permanecessem efectivos nas Forças Armadas de Timor.

No campo de jogos do Ginásio, havia a mesa dos conferencistas e mais umas cadeiras em frente, para assistentes VIP.

Xanana Gusmão explicava os porquês da desmobilização geral das Falintil; tudo sereno.

A polícia civil da ONU tinha presença reforçada; ali, á vista e comigo, estavam os cinco polícias militares brasileiros da segurança pessoal do XG, dois polícias dos EUA e o Chefe do Centro de Operações da CIVPOL, o subchefe Carvalho da PSP, velho companheiro de guerras Jugoslavas.

O Subchefe Carvalho aborda-me e diz:- “Está ali fulano… nas cadeiras VIP, sobre o qual impende um mandado de prisão”; era um timorense, conhecido líder de arruaças políticas violentas, cinturão negro de coisas marciais e outras que mais.

Esta presença ali significava coisa grave em perspectiva.

Mandei o Subchefe Carvalho ao centro de operações buscar a fotografia do individuo em questão para se confirmar a sua identificação… veio, confirmou-se.

Informei o Major Brasileiro, Cmdt da Segurança pessoal de XG, que, contrariamente ao planeado e, ou á minha ordem, ou em emergência, ele teria de fazer sair XG pela porta da rectaguarda do ginásio e não pela principal, conforme planeado.

Estas movimentações, embora discretas, denunciaram aos “atentadores” que sabíamos algo.

Inopinada e estranhamente, um timorense saltou das bancadas, aproximou-se de mim em passo rápido e, algo enigmático, inacreditável e teatral, disse-me em inglês:-

“Se pensa que pode impedir isto, não pode…”; deu meia volta e atravessou de novo em acelerado o campo de jogos.

Bem alto, dei ordem ao polícia americano do outro lado do ginásio, para o deter, o que este fez de imediato.

Nesse preciso momento, o timorense do mandado de captura e sentado nas cadeiras VIP frente ao XG, levanta-se, agarra numa das cadeiras e bate com ela nas costas do polícia americano, que por sua vez se virou, mesmo com o primeiro timorense debaixo do braço, e defendeu-se do segundo com o cassetete; este caiu desmaiado a sangrar…

Seguiu-se algum caos controlado… as televisões, de camaras em punho, filmavam delirantes o timorense caído e o sangue do dito; violência policial na sua melhor perspectiva, para render audiências e manipular factos…

A polícia retirou de imediato para o exterior os dois detidos.

Os mais de 300 jovens nas bancadas levantaram-se em peso e gritavam contra a polícia, coisas anti ONU e anti tudo.

XG em pé, surpreso, olhar vago posto no vazio, nada dizia, apenas olhava; aproximei-me e pedi-lhe com veemência para mandar calar e sentar os jovens, pois estes obedecer-lhe-iam.

Para espanto meu, não reagiu, nada disse, ficou-se assim, estático, mudo e quedo; nem um ai ou ui!! Estranho!

Fiz o mesmo pedido então ao Comandante Mata Ruak, este dirigiu-se aos jovens, mas, sem convicção, estes permaneceram em pé, extremamente agressivos, em risco de invadirem o campo…, entretanto reforçado em polícia.

Dirigi-me pessoalmente aos jovens, com força e autoridade mandei-os sentar, não me obedeceram.

Face á irreversibilidade da situação, ordenei à segurança do XG para O retirar imediatamente pela porta traseira, o que aconteceu, sem incidentes, dada o inopinado do movimento.

Ordenei a evacuação dos cerca de 300 jovens pela porta principal, mas quando estes começaram a sair, um outro grande grupo de jovens em protesto no exterior, junto da porta, bloqueou a saída provocando uma situação de amassamento e confronto com o grupo que saía.

Tornou-se então claro que existia de facto um plano para atentar contra a vida do XG, no acto de saída deste pela porta principal, conforme o programa.

Xanana Gusmão seria ensanduichado entre estes dois grupos e, nessa circunstância, seria então vítima fácil dum qualquer atentado com arma branca ou de fogo…

A polícia internacional, depois de ter passado revista aos jovens exteriores, encontrou uma arma branca de grandes dimensões na posse de um deles.

A coroar todo este incidente havia um manifestação muito agressiva de mais de dois mil jovens, todos masculinos, mesmo em frente do ginásio, sob controlo das forças de intervenção.

Estavam ali para explorar o sucesso do atentado contra o XG; o plano do incidente tinha sido elaborado de forma muito profissional, pensava eu.

O trabalho conjunto e eficaz da polícia internacional e das forças de intervenção no local, permitiram ultrapassar o incidente, sem consequências.

Para espanto meu, tendo sido anulado e ultrapassado o alegado atentado de vida contra XG pela Polícia da ONU, não tendo havido consequências negativas, excepto a interrupção da sessão de esclarecimento, tendo sido detidos dois dos executores do mal sucedido atentado, nem o Nr 1 da ONU e nem o próprio Xanana Gusmão e seus pares pareceram sossegados ou agradecidos à Polícia da ONU…. ninguém me chamou para saber dos factos… ocorridos… nem dar uma palavra de incentivo ou agradecimento, ou louvor, nada.

Extraordinário e teria de haver uma explicação…

Houve uma conferência de imprensa á tarde para informar a dita do caso, onde estive presente, na mesa principal, como competia.

XG e seus pares pareciam mais incomodados com o facto da Polícia da ONU ter controlado o incidente do que o seu oposto.

Intrigado com tais reacções, onde seria normal um qualquer elogio á eficiência policial da ONU e do seu Comissário, que era eu, antes pelo contrário, tudo indicava que o sucesso da polícia tinha feito falhar algo mais complexo, procurei explicações…

E, eram óbvias, era apenas mais um incidente de segurança envolvendo a figura do XG (este sabia da brincadeira… antes tinha já havido um incidente similar contra a esposa), cujo objectivo não seria nunca eliminar XG, mas simular apenas tal ocorrência, de forma muito realista, para manipular a ONU em NY para esta reforçar e prolongar a missão em TL, com os objectivos acima expostos, ou outro qualquer que me escapou..

14 anos de andanças nestas missões facilitam-me a leitura política destes casos.

Politiquices do mundo em que vivemos… onde tudo é virtual, mentira, aparências, hipocrisia, ilusões… e manipulações.

Pouco ou nada do que os órgãos de informação ocidentais escrevem ou dizem sobre estas situações de conflitos internacionais é credível, é apenas politicamente correcto.

É tudo grosseiramente manipulado, ou notícias manipuladas, ou factos produzidos sob falsas bandeiras, como ora se diz, para encaixarem na narrativa politicamente correcta do Ocidente.

Eu a dar posse ao Primeiro Diretor da Policia de Timor Leste (PNTL) Paulo Martins, após formação dada pela ONU

 

Artigo do Mangualdense, José Luiz Costa Sousa

Comandante da Polícia Civil da ONU em Timor, à data deste evento