Nasci e cresci, criança e adolescente, mergulhado nos lindíssimos rituais Cristãos, numa aldeia das Beiras, aqui mesmo ao lado de Mangualde, entre rudes gentes, devotas e a Deus tementes.
Foram tempos dos anos 50 e 60, feitos de humildades e ruralidades em que, o ritmo das nossas vidas na aldeia, era marcado, no seu dia a dia, pelo nascer e pôr do sol para fins de trabalhos, e pelo soar dos sinos da Igreja para missas, toques de Avé Marias, funerais, terços, procissões, etc… mas eram o Natal e a Páscoa as referências Cristãs primeiras e que davam um maior sentido, alegria e esperança à nossa vida de então, ao longo dos anos.
Deus e Cristo, sendo este último seu filho e mensageiro, estavam sempre presentes entre nós, os mais simples entre os simples, conviviam connosco ao longo do dia e do ano, e eram Eles, a mais das vezes, a nossa única força e o amparo e reserva moral de momentos menos bons; nascíamos com e em Deus, com Ele vivíamos e, com Ele, nos íamos além da vida.
E Deus era também Natal, que era vivido com profunda religiosidade em toda a sua simbologia e valores cristãos; o meu imaginário, de menino de então, acreditava, como todas os outras, num benevolente, bem disposto e anafado Pai Natal de todas as criancinhas do Mundo, viajante incansável num carro puxado a renas, de vermelho e imensas barbas brancas a descer pelas chaminés, de saco às costas cheio de brinquedos, e que chegava, silente, depois da meia noite de 24 Dez, para distribuir os mais belos desses brinquedos, a quem melhores acções houvesse praticado ao longo do ano e eu, ansioso e crente, ficava acordado noite fora, na perspectiva inocente e infantil, de o surpreender ali na cozinha, a meter as prendas nas meias…
A meio da noite lá ia eu ver o que me tinha calhado na minha meia, no presépio lá de casa, que todos fazíamos… era um momento de contentamentos inesquecíveis, embora singelos, feito de desejos e sonhos humildes e duns parcos chocolates, ou bolachas, e raros brinquedos.
O Pai Natal era todo ele sorrisos e alegrias nesse meu mundo de então, mundo esse agreste e severo, e ao qual trazia mais felicidade e mais amor, era uma bênção anual feita de mais união nas famílias, mais calor humano entre todos e de ilusões, presépios e pequenos nadas, como as prendas e Natal…. e não só.
O Natal, em si mesmo, pela sua história, espírito, fantasia, esperança renovada, pela sua simbologia e tradição, apelo ao amor entre todos e à paz na terra aos homens de boa vontade… era e continua a ser um banho ímpar de religiosidade e grandeza de alma, uma lição de humanidade inestimável… e um bálsamo único para a vida dos mais simples e também, de todos os outros.
O Natal era ainda presépio, era o ir achar e cortar o pinheiro e o apanhar do musgo no chão das matas, o arranjar das figuras e enfeites e, finalmente, o montar e fazer o presépio; havia e há neste ritual religioso de família, um acto de comunhão e amor que transcende a família, e que é de todas as famílias unidas em torno da mesma crença num Deus, ali feito Menino, e que a todos nos irmana nesse Deus, que entendo como o Criador e o Ser de tudo o que existe, visível e invisível, onde nos incluímos.
O presépio da Igreja Matriz, nesta minha linda e querida terra, em Mangualde, era então o meu encantamento de criança e adolescente; ia sempre à missa de Natal com a minha mãe Maria (a avó), pedia-lhe para nos sentarmos lá no cimo da Igreja, mesmo junto do presépio, e ficava-me ali extasiado, a missa inteira, a olhar maravilhado as figuras muitas e lindas… que se organizavam em torno do berço de Jesus menino… espalhadas pelo emaranhado dos relevos e caminhos, desenhados a musgos, pedras e areias, em volta do pinheiro… que, esplendoroso, brilhava e espantava em enfeites muitos e variados e nas mil e uma policromias das muitas e variadas luzes, tudo encimado pela imensa estrela de Belém… lá bem no alto do pinheiro de Natal!
Enquanto isto, o Senhor Cónego Monteiro lá ia rezando a missa do dia de Natal…. figura austera, inesquecível, profundamente digna, um santo homem e esmerado servidor de Deus e da Paróquia de Mangualde e de todos os seus paroquianos, a quem conhecia um a um. pelos seus nomes… e que ainda hoje recordo com muito respeito; vejo-o ainda a passear pelas tardes de Primavera e Verão, pelo caminho da Igreja Matriz em direcção à Roda, e quando passava pelo nossa terra, Lanteirão ou Regada, onde muitas das vezes eu e a minha avó andávamos a trabalhar, cumprimentava-nos sempre com um “Olá Maria, como estás? E o teu filho? E aí o teu Zé, que vai fazer quando acabar a 4ª classe?”, e lá seguia o seu caminho… era e foi um Homem de Deus… .e de Mangualde.
O presépio de Mangualde era tão magnifico e tão mágico, tão transcendente na sua figuração da adoração e amor ao Deus Menino, que me ficou até hoje, como a mais bela e mais feliz recordação desses meus tempos, de menino também, até hoje.
Agradeço com o coração, para sempre, os momentos felizes de criança, que senti e vivi, na minha incansável contemplação, da beleza e do simbolismo do presépio da Igreja Matriz de Mangualde; obrigado pois a todos os que sempre o ergueram em amor a Deus e aos mangualdenses.
O Natal era também a ceia tradicional da Família, lá pelas aldeias beirãs era feita de bacalhau cozido com batatas e couves… e havia sempre uns mimos quase únicos, que a minha e todas as mães faziam, as fritas (fatias douradas) com um molho de canela e açúcar, as filhoses, arroz doce, por vezes pudim. etc… era um banquete para as arraias miúdas, como nós, o maior do ano, com a família toda em redor do fogão ou da lareira… era uma noite rica de sentimentos, paz e alegria familiar e fartos comeres, era uma noite Feliz!
O Natal, ilusão, fantasia, sonho ou não…. que importa, para mim e para todos nós foi sempre felicidade real, alegria verdadeira, encanto encantado e esperança renovada e autêntica na vida e, continua a ser, espero que para sempre!
Basta-me andar ruas fora, e vê-las vestidas, iluminadas e enfeitadas de Natal, olhar as gentes que passam de compras em compras, e respirar ou beber com sofreguidão a transcendência, o misticismo e o espírito de Natal que enchem o ar e a vida à volta, nos rostos das pessoas vestidos de Natal, nos risos das crianças, nos Pais Natais ocasionais e sinto-me em Paz… e de bem com o Mundo e a Vida… o Natal é a época em que nós, Cristãos e até não Cristãos, somos mais autenticamente felizes e assim deverá continuar.
Agradeço a Deus todos os Natais da minha vida… e espero que Deus não permita, que os seus inimigos e os novos ventos da História, que correm pelo Mundo e, em particular na Europa, não assassinem o Natal, como já fazem aí pelo centro e norte da Europa.
Gostava tanto que todos as futuras gerações continuassem a ter Natal… vidas fora, até à eternidade…
Que haja sempre e para sempre Natal, são os meus melhores votos, para Felicidade de todos!
Eu sei que o Natal é apenas sonho, mas não há maior crime do que roubar os sonhos às crianças e aos adultos, e o Natal é o mais belo e maior dos sonhos, é o sonho de todos os sonhos !
José Luiz da Costa Sousa.
Um Mangualdense
