Os Reis de Espanha, o Presidente de Portugal e 1ª Dama na Catedral de Santiago de Compostela

 

Verão de 99, genuinamente portuguesa, terminava mais uma exaustiva, extraordinária e bem-sucedida Presidência Aberta de SEXA o PR, por terras dos Açores.

Para mim, assessor então para a Segurança de Sexa o PR, aquela visita aos Açores foi um banho permanente, inesquecível e único de beleza natural; os Açores são, definitivamente, outro mundo, outro Portugal!

Naquele último dia, inesperada, chegou a notícia da morte do Rei Hassan de Marrocos; Sexa o PR tinha de ir assistir ao funeral da falecida Majestade, mas, entretanto, teria de passar por Santiago de Compostela, no dia seguinte, a convite de outra Majestade, esta viva, o Rei de Espanha.

No hotel, noite alta, saboreando uma descontraída tosta mista, coisa muito sua preferida, Sexa o PR e assessores discutiam tais compromissos; inopinadamente, vinda dos aposentos, a Primeira Dama, altiva e severa, perfilou-se na porta, cara recriminadora pelo adiantado da hora, exigindo em silêncios duros, a recolha de Sexa ao descanso da alcova; e assim se fez… e bem.

No dia seguinte, já em Santiago de Compostela, Sexa e Consorte encontraram-se com as “Hermanas” Realezas.

O mítico lugar de peregrinação medieval vivia grandiosas festas comemorativas.

À noite, os mais inolvidáveis dos artifícios em fogos; de manhã, a missa solene; a dimensão, a imponência, a arte e a beleza da catedral esmagam.

No decurso da missa, o ritual centenário dos incensos hipnotiza; imensos vasos de prata em imensas correntes vindas lá dos céus interiores da catedral, pendulavam num vertiginoso e arrepiante balancé de vai véns, fumegando os seus aromas sobre um mar de devotas cabeças; Sexa o PR, embora pouco dado a práticas religiosas, bem incensado e plasmado em romeira atitude, assistiu… claramente tocado, pela grandeza mística de todo o cerimonial.

Depois, urgentes, partimos no avião “Falcon” presidencial para Marrocos; escalámos Lisboa para integrar o Dr. Mário Soares na comitiva; fazia-se tarde; o voo de Lisboa a Rabat é curto, e chegámos rapidamente à vertical do aeroporto.

Pedida autorização à torre para aterrarmos, esta negou, não explicou, e manteve-nos no ar; insistente, o piloto português, Capitão Nazaré, interrogava a torre e nada; instalou-se a estupefacção.

Preocupado, o cérebro presidencial questionava-se porquês e que fazeres, colocava as suas dúvidas ao ex PR M. Soares, ao que este retorquia: – “Vexa é o PR, pois então decida!”.

Voadores por excelência, dever do ofício e dos oficiados, os PR´s sentiam-se como aves em céu aberto, e como tal, continuámos a voar; não havia alternativa.

Decorreu quase uma hora, e foram chegando mais uns aviões Presidenciais ou Primo ministeriais para a bicha pirilau aerocircular e, finalmente, aterrámos.

A explicação era simples; o Presidente Clinton, Imperador do Mundo e arrabaldes, estava a chegar e o aeroporto fechou, para todo o trânsito aéreo, uma hora antes, por razões de segurança do cujo; caso único, nenhum outro Chefe de Estado tem tal direito; coisas do excepcionalismo dos EUA.

Os outros Chefes de Estado que iam chegando, subalternos e menores, tiveram de esperar em voo, tal como Sexa o nosso PR; a hierarquia dos poderes e das coisas no Mundo não perdoa.

Fomos directos para o Palácio real, onde os restos mortais de Sua Majestade, acabados de ser velados, partiam já para o Mausoléu.

O calor sufocava…vertido em suores incómodos, nos fatos completos e agravatados…

O palácio abarrotava de luxos e de gentes, numa marroquinaria amalgamada de família real, presidentes, reis, príncipes e até o imperador do Japão.

No ar havia odores intensos de mil e um arábicos comes e bebes, em multiplicidades de sabores e exotismos… chegados tarde… só pude olhar… frustrações minhas…, mas, o dever primeiro.

Rabat estava fechada; o povo adorava o Monarca e temia-se uma multidão incontrolável; mesmo assim, estimaram-se em dois milhões de marroquinos presentes, ao longo dos quatro quilómetros de funeral apeado até ao mausoléu.

O féretro real seguia num carro de múltipla tracção equídea, puxado por oito cavalos árabes….

A família real masculina ladeava o carro a pé, (as mulheres nunca participam nos funerais islâmicos), seguidos por um bom milhar de metros de Chefes de Estado e outras altíssimas dignidades.

A moirama em massa, que assistia ao desfilar do cortejo fúnebre, era milagrosamente contida por inúmeros polícias e militares, num cordão contínuo, ombro a ombro, de um e outro lado do percurso.

O último adeus ao Monarca era dor, angústia, paixão e fanatismo.

A multidão ondulava, comprimia, expandia, empurrava, rugia emoções e explodia em lágrimas e desesperos, que se expressavam em gritarias comoventes.

Na primeira linha do cortejo iam os Presidentes Clinton e Chirac, seguia-se o resto do mundo político, em decrescendo aleatório de hierarquias….

Desrespeitosos, sem disso saberem, os cavalos iam, serenamente, defecando pelo percurso, aqui e acolá, fedentas e inadiáveis fisiologias, sobre as quais, estoicamente, caminhavam todas aquelas dignidades e acompanhantes … eu via, não acreditava… mas, lá fomos andando nos desvios e curvas inter fezes.

Estranho tapete vermelho aquele, no caso fecal e castanho, se foi estendendo pelo percurso de quatro quilómetros adiante, sob os pés de todas as excelências presidenciais, reinantes e imperiais do mundo…  coisas das moiramas e dos seus equídeos… uma como que última e irónica mensagem do falecido Monarca aos seus pares…  sobre as vãs guerras deste mundo… na sua hora de partir.

Ficou-me uma estranha admiração por tão nobres animais, pela sua liberdade de expressão intestinal, em contravenções protocolares inacreditáveis pelo mundo humano e suas feiras de vaidades.

Eu, Sexa o PR e acompanhantes, entrámos quase em último lugar no cortejo, mas disse-me fazer questão de chegar o mais à frente possível.

Lentamente, à custa de inauditos esforços, eu e o meu único colega da Segurança na circunstância, o impagável Ribeiro, serpenteámos lusitanos expedientes, entre muitos terceiros Chefes de Estado e seus seguranças, e lá nos colocamos no terreno, imediatamente atrás dos Presidentes Clinton e Chirac.

O cortejo findou com a entrada no complexo do Mausoléu; ainda cá fora, uma qualquer escolta levou o Presidente Clinton e o Imperador do Japão, pela porta dos “Imperadores”, e o resto do Mundo Presidencial e Reinante, entrou pela Porta Principal… seguiu-se uma última cerimónia fúnebre, feita de homenagens fúnebres e orações … demorada….  sentados todos… Sexa o PR chamou-me e disse-me :” Snr. Superintendente, veja onde está o Clinton e leve-me lá, tenho de falar com ele sobre Timor, coisa brevíssima, é uma oportunidade única…“ e assim fiz… mesmo naquelas circunstâncias, o alto sentido de Estado e de responsabilidade presidencial de Sexa o PR sobrepunha-se a tudo… foi de facto um Presidente de Excepção, absolutamente único.

Admirei e muito, SEXAS os nossos dois ex PR´s presentes na circunstância, pela resistência, espírito de sacrifício, dignidade e, sobretudo, pela coragem física, exibidas naquele épico cortejo do último adeus ao Rei Hassan… foram notavelmente superiores.

São imensas as saudades dos tempos em que servi Sexa o Presidente, como seu Assessor de Segurança, por estas e outras muitas lições maiores do seu saber estar e ser Presidente.

 

José Luís da Costa Sousa

Assessor de Sexa o Presidente, à data destes eventos