Os Natais que me foram mais memoráveis e queridos, e que guardo bem cá no fundo do coração e da alma para sempre, vivi-os em Família aqui nesta minha linda terra natal, Mangualde, e aprendi-os na Catequese ensinada no Salão Paroquial ao lado do Colégio de S. José e nas missas de Natal na Igreja Matriz, onde ia pela mão da minha avó e, na contemplação extasiada do seu inesquecível Presépio, encantamento meu sem igual, desses tempos de meninices e infâncias, hoje simples e muito saudosas lembranças.

Ao longo de toda a minha vida, o Natal foi para mim tempo de introspecção e reflexão sobre o passado, presente e futuro, para análise de erros e deles me penitenciar, corrigindo-os, em nome de melhores futuros pessoais; foi sempre tempo também de busca do melhor de mim próprio, de olhos postos na essência e significado da mais fabulosa História da Humanidade, dum Deus feito Menino e Amor, nascido entre os Homens, para lhes mostrar os caminhos do Bem.

Depois, vestido eu ainda de verdes adolescências, parti para a vida e para o Mundo (Academia Militar, guerras da África e Jugoslávia, etc…) e, lá por onde andei, nas mais diversas circunstâncias, mesmo nas mais ingratas, vivi todos os Natais com as mesmas alegrias, fantasias, sonhos e esperanças de amor, desejos de paz e felicidade para todos nós, com que os vivia em Mangualde.

Na década de 70, passei três Natais e Anos Novos, mergulhado nas profundezas das florestas do norte ou nas  savanas do leste de Angola, com os meus paraquedistas em acções de combate, de camuflado, arma nas mãos, c/mochila, rações de combate, a dormir noites seguidas no chão, e em exigentes movimentos e silêncios tácticos, que apenas nos permitiam viver o Natal, em silêncios calados, sozinhos, fechados dentro de nós…

….mas, exteriormente, atentos a um  inimigo pronto a guerrilhar, espreitando atrás de cada árvore da floresta, ou aninhado no meio dos infindáveis capins das savanas e, simultaneamente, imaginando todos nós as famílias lá nos longes bem longes, mergulhadas nas mil e uma luzes natalícias e nas cores rubras e brancas dos pais natais, sentadas em volta das rústicas lareiras acesas, todas elas calores amigos e aconchegantes, fumegando incontáveis chaminés, com os seus eternos presépios ali mesmo, e a mais que desejada ceia de natal, a melhor das refeições do ano para os humildes, com as insubstituíveis batatas cozidas com bacalhau dos simples, ou os perus recheados dos menos simples, bolo rei, fatias douradas, filhóses, leites cremes, pudim de ovos, biscoitos, etc… e, sobretudo, imaginávamos os rostos das crianças, dos filhos quem já os tinha, iluminados pela mística inigualável da mais maravilhosa, inspiradora e mais amiga quadra do ano de todos os tempos e de todas as crenças religiosas, que a civilização ocidental teve até hoje… a quadra Natalícia!

Mais tarde, as andanças da vida e da profissão levaram-me para a guerra e pós guerra da Jugoslávia, por lá andei mais de quatorze anos, e lá vivi Natais Católicos com os  Croatas em Zagreb, Natais (Bosic) Ortodoxos com os Sérvios em Knin, República Sérvia da Krajina, mas vivi a maioria desses meus Natais no seio de famílias muçulmanas, em Sarajevo.

Dos Natais Católicos dos Croatas, mesmo em guerra, recordo em especial as ricas e ofuscantes iluminações exteriores das suas casas gritando bem alto é Natal, é Natal e, os Natais dos Sérvios, Cristãos Ortodoxos, com datas diversas do nosso, duas semanas depois, com liturgias diferentes e lindíssimas, a que eu assistia nas suas igrejas, e onde fui sempre muito bem vindo.

Os muçulmanos, não têm Natal, têm as celebrações religiosas do Ramadão e o Curban, noutras datas, e que, por eu viver em casas suas arrendadas e por respeito, sempre os festejei também junto com eles, os longo jejuns, o sacrifício do carneiro, a sua partilha e o embrulhar deste em pequenos pedaços, que cada família depois ia distribuir entre os mais necessitados, amigos e vizinhos; eu também ia a convite deles, com o genro da minha senhoria, o Muamer, era e é um notável acto de caridade e amor ao próximo, para o Curban, dia muito especial, digamos que o Natal deles.

A minha Senhoria, a Seka, que me chamava com afecto de Deda, avô em bósnio, era uma senhora extraordinária, perdeu na guerra, em três anos, marido, pai, dois irmãos e uma irmã; quando chegava o Natal, pedia-me sempre:- “Deda, leva-me a ver as iluminações de Natal das Casas dos Croatas (católicos) em Kjiselak, na estrada para Vitez”… e, noite feita, lá íamos, eu, ela e as duas filhas e uma neta, ficavam extasiadas com as infindáveis luzes exteriores desenhando casas, árvores, janelas e portas das vivendas croatas, distribuídas nos dois lados da estrada, ao longo de mais de 40 kms, era e é um inolvidável espectáculo de cores em milhentas luzes tremeluzindo, num cenário quase irreal, transcendente e cantando Feliz Natal, Feliz Natal… “Sretan Bosic, Sretan Bosic”….

…. quantas vezes lhes vi lágrimas silentes,  nos emocionados olhares, perdidos na miríada das luzes cristãs… e espantava-me, como só o poder das luzes natalícias, lhes falava tão forte aos muçulmanos corações; foram a família mais amiga que por lá tive e tenho, na Bósnia.

Na véspera de Natal, havia a missa da meia noite na Catedral Católica em Sarajevo, mesmo no centro da cidade, onde eu ia sempre, e a Seka, muçulmana de todas as suas gerações conhecidas, viventes lá para Novi Pazar na Sérvia, pedia-me sempre para a levar comigo, assistíamos os dois à missa, e como nem todos cabíamos na Catedral, muitas vezes ficávamos do lado de fora, na praça, nunca houve quaisquer conflitos, mínimos que fossem, entre os muçulmanos maioritários em Sarajevo e estas cerimónias católicas; a Seka dizia-me sempre, embevecida, gosto muito das vossas igrejas e das vossas cerimónias, são lindas, nunca se sentiu inibida de entrar e delas participar, pela sua presença, comigo, como se católica fosse.

No decurso da guerra, noutras paragens, a cidade de Knin, capital da auto declarada República Independente Sérvia da Krajina, vivi alguns Natais com uma outra família, esta sérvia; em 93/94 trabalhava eu já em Zagreb na ONU, mesmo assim, fui a Knin passar o Natal com aquela família Sérvia amiga, tive uma pneumonia grave, corria forte e fera a guerra, trataram de mim como se fosse um filho ou irmão, regressei a Zagreb no dia 26 de Dezembro, ainda com febre, conduzi 300 kms com neves e frios negativos…

….e quando cheguei, a Zagreb, noite feita, vivia eu já noutra casa arrendada duma Senhora Croata, Judia de origem, lindíssima, tocava violoncelo na Orquestra Nacional da Croácia, ouviu-me tossir à chegada, disse-me de imediato, vai já comigo a um médico, disse-lhe que não, que estava bem, ripostou que ou ia ou saía da casa dela, fui, o médico era amigo do pai dela já falecido, um pneumologista de renome, diagnosticou-me pneumonia, e receitou-me Azitromicina (famosa agora contra a Covid 19), antibiótico novo por lá e por aqui então desconhecido, disse-me ter de ficar em casa oito dias, no entanto, no dia seguinte vesti-me e ia para o serviço e de novo a Senhora me disse, se for não volta, vá para a cama, que eu trato de si, e tratou com muito afecto, como se fosse família; sobrevivi; foi o meu Natal partilhado entre uma família Sérvia e outra Judia, ambas me trataram com carinho, pesem as diferenças religiosas e culturais.

Enfim, histórias de alguns dos Natais que vivi mundo fora, circunstâncias diversas, várias as religiões e as culturas e, em todas elas senti que o “nosso” Natal era por todos os povos com quem os vivi e ou partilhei, sem excepção, muito respeitado, querido, admirado e até desejado, tanto, como se fosse deles também, era mesmo como que invejado; as ruas e comércios de Sarajevo, cidade multiétnica e multirreligiosa, maioritariamente muçulmana, com as mesquitas a chamarem os fiéis à oração constantemente, são todas elas tão ou mais iluminadas de e pelo Natal, quanto as nossas.

O Natal, pela sua grandiosidade e beleza religiosas e pelo seu transcendente significado, é um evento religioso e humano de dimensão Universal, ultrapassou-se a si próprio e à religião Cristã que o criou, e é hoje Património religioso único da Humanidade, um património sagrado de valor inestimável, traduzido na sua mensagem, que ninguém neste Mundo tem o direito de descartar, com desculpas, razões ou quaisquer argumentos religiosos ou políticos e que é:- “Amem-se uns aos outros, como cada um a si próprio, e haja Paz na Terra entre os  Homens de Boa Vontade”, a chave da verdadeira felicidade Humana.

Este ano, sinto que as minhas palavras têm menos Natal, e estão a cada dia que passa mais amargas e vazias do seu espírito, e isto porque, neste Natal de 2020, um foleiro  vírus do Mal, obra de Belzebu, Satã, Moloch, Baal, Mefistófeles, ou dum qualquer Anti Cristo roubou-nos o Natal, a mim e a toda a Humanidade, e substitui-o por medos, angústias, pesadelos, tragédias feitas de mortes, doenças, desastres económico financeiros e assassinou as nossas esperanças, sonhos, futuros e a felicidade de todos nós, numa tal de reles pandemia.

Para 2021desejo apenas, para todos os Mangualdenses sem excepção, que o Natal ressuscite plenamente, e que seja de novo igual aos Natais de sempre desta lindíssima cidade, e traga consigo todas as suas eternas luzes, cores, presépios, místicas, pais natais, amor entre os Homens, e todos os sonhos, esperanças e felicidades para todos nós, que este ano, o malfadado vírus nos roubou.

Feliz Natal e Boas Festas a todos os Mangualdenses.

José Luís da Costa Sousa

Um Mangualdense