Recordo Mangualde, logo nos primeiros dias de Junho, anos 60, e a saudade da adolescência que ainda vive em mim, vê-me a correr em entusiasmos mal contidos ali para as “corticeiras”, no cruzamento da estrada de Nelas com a de Viseu, à saída de Mangualde, para “ir ver passar os franceses”…
Era o sítio então um agradável e simpático espaço de frondosas corticeiras, daí o nome, rodeado de quintas laboriosamente bem cultivadas e floridas em frutos dos campos, como a do Sr. Adelino Amaral, a do Capitão, outras e ainda um espaço público e uma mata de taludes elevados sobre a estrada e, logo a seguir, a fábrica da Embel…
Era ali que, religiosamente, todos os anos, em princípios, fins e meados dos meses de Junho, Julho, Agosto e Setembro, nós, os “miúdos” da Quinta de S. Cosmado, nos sentávamos para “ver passar os franceses”, então puros e genuínos.
Eles e elas chegavam em intermináveis filas de carros, vindos de França via Pirenéus, Espanha, Vilar Formoso, invadiam Mangualde e a partir daqui as praias e o resto do País.
Era um espectáculo de cor, movimento, alegria, novidade, e até desafio a usos e costumes locais, pois “eles e elas“, esbaforidos da viagem e dos calores estivais, chegavam mais despidos que vestidos, regalando e consolando, “elas”, os olhos da rapaziada que, pousados e pasmados nas lúbricas mini saias, se incendiavam de imediato em libidinosos “maus pensamentos”.
“Maus pensamentos” à parte, era bonito ver as estradas em amontoados sem fim de matrículas francesas, belgas e suíças, plantadas nos inesquecíveis Citroens “Dois Cavalos”, “Bocas de Sapo”, Renaults “Dauphines, 8 e 10”, Peugeots, etc…
Mangualde era um ponto de paragem obrigatório para eles e depois Viseu; espalhavam-se pelo Largo Dr Couto, pela esplanada do Ideal, do Café Melro, por outras e pelos restaurantes; a pacatez da vila de então explodia em vida, era bonita de se ver toda aquela azáfama de chegadas e partidas das estranhas gentes… com ar de veraneantes de férias em festa … nas suas idas e vindas para e das praias sonhadas… mais a Figueira e arredores., do que outras.
Era então o tempo do domínio da cultura francesa, segunda língua de quem era dado a estudos, e era o tempo em que a música francesa cantava e encantava nas vozes eternas de Charles Aznavour, Edit Piaff, Françoise Hardy, Jonhy Halliday, Adamo, etc… depois, mais tarde, fomos invadidos pelos “Escaravelhos, Beatles”, pelos “Calhaus Rolantes, Rolling Stones”, “Os Macacos, The Monkeys”, “The Carpenters, Os Carpinteiros..” e muitos outros, que nos anglo saxonizaram os hábitos musicais e as modas jovens e eliminaram para sempre os gostos pelas músicas latina, francesas, italianas e espanholas… hoje, entre nós, desconhecidas.
Aí por meados dos anos 70, os franceses, belgas, holandeses, etc… que nos invadiam aos milhões de turistas até então, deixaram de passar por Mangualde…
Novos tempos, foram-se para outros destinos, abruptamente…. por pecados das novas circunstâncias das nossas terras… menos segurança pública, custos de vida mais caros, menos afabilidade das gentes lusas, menos beleza natural ardida em orgias incendiárias todos os anos, etc… conforme vieram, assim se foram, sem mais…
Quanto a mim, gostava de poder voltar ali às “corticeiras”, sentar-me no chão de macios musgos, gozar a frescura, farta e amiga da sua sombra, e ver de novo passar os franceses aos milhares, acenando-lhes juventude e simpatia, em humildes e inocentes sorrisos de boas vindas e de olhar maroto posto nas distraídas mini saias…
Mas, não é possível; as corticeiras já não existem, há muito foram abatidas, no seu lugar há novos espaços urbanos bem tratados, mas sem corticeiras, ficaram as saudades delas … e nada mais; e os franceses, esses já não vêm, foram para outras paragens…
Mangualde não tornou e não tornará a ver passar os franceses… excepto nas minhas saudades…
José Luís da Costa Sousa
Um Mangualdense
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