Hoje, já não chegam tão intensa e ruidosamente como nos anos 60 e 70, são tantos ou mais do que nesses tempos, mais discretos, são já parte da nossa rotina de vida, são a tal de diáspora secular deste povo, “diasporizado” desde o séc. XV, e já não trazem festa rija, nem foguetes como dantes … só saudades doídas de ausências forçadas … muitas saudades… quiçá vontades de voltar, eles são … os nossos emigrantes!

Mangualde, Verão, décadas de 60 e 70, ei-los que chegavam então aos milhares, os nossos desejados e sempre bem vindos emigrantes, em sem fins de viaturas, todas matrículas estrangeiras e, o País em geral, Mangualde em particular e todas as suas aldeias, explodiam em regozijos e alegrias incontidas, feitas de saudades caladas a saltarem dos inquietos corações, em alvoroçadas e insaciáveis conversadas, ouvidas ruas fora, em falares portugueses, entremeados com afrancesados linguarejares, aqui e ali inglesados ou germanizados… era uma festa, a festa da vida, duma nova e melhor vida, que traziam consigo!

Vinham sempre pelo Natal, Páscoa e, sobretudo nos meses das férias grandes, por altura das festas tradicionais nas aldeias, carregados de dolentes lembranças do País, da sua aldeia, das famílias e amigos, muitos já de casamentos combinados ou a combinar, de terras e casas apalavradas ou a apalavrar, para compra ou construção e todos eles, espelhando melhores viveres, vestidos de novos e mais felizes sorrires perante a vida, dava gosto vê-los, esfusiantes de energias,  transpirando melhores futuros, nos novos seres, teres e haveres que todos exibiam e, com isso cativando mais e mais gentes, para os seguirem nessa grande aventura, que foram as emigrações dos anos  60 e 70, do século passado.

Mangualde tornava-se então, no Verão principalmente, o ponto da grande reunião dos seus munícipes emigrados, a meias com um nunca acabar de passantes turistas franceses, mesmo pelo centro de Mangualde e, todos ali paravam, em compras infindáveis ou de oportunidade, ou em simples e urgentes refrescares das sequiosas gargantas, e a nossa linda Vila de então, tornava-se um maravilhoso caleidoscópio de mil e uma cores e movimento, dum sem número de estranjas viaturas, e dum misto de gentes da terra, emigradas e não emigradas, e muitas de fora, os turistas, numa semi Babel de línguas e de frescas vestimentas duns e exóticas “despimentas” doutras, as atrevidas francesas, que depois povoavam os sonhos erótico fantasiosos, da púbere e Azurara mocidade masculina, que por ali, no centro cidade, se pasmava e plasmava, em contemplação do bulício ruidoso dos reencontros felizes dos emigrantes e famílias com a sua Mangualde, com os seus amigos, e também em contemplação das francesas criaturas, mais despidas dos calores, que vestidas de pudores.

Os emigrantes apareciam sempre, fielmente, nas épocas das festividades tradicionais, religiosas e pagãs, certinhos como relógios, traziam consigo não só as saudades das ausências doídas, mas também muita riqueza para os negócios e comércio local, para os particulares e para a vida em geral do município, a que davam uma nova energia, maior dimensão e mais vitalidade.

A emigração dos anos 60 e 70 foi um fenómeno extraordinário, que inundou de prosperidade, novas esperanças e futuros mais promissores, a vida dos mais simples e de todos os outros, consequentemente; o País e Mangualde têm uma grande dívida de gratidão, que nunca terá sido saldada, para com todos os seus emigrantes.

Durante as últimas seis décadas, os emigrantes portugueses foram e ainda são verdadeiros exércitos de formigas laboriosas, incansáveis, espalhadas mundo fora e que, em condições a mais das vezes muito adversas, sabe Deus com que dificuldades, amealhavam milhões e milhões em divisas estrangeiras, que remetiam regularmente para Portugal, tendo constituído um dos sustentáculos mais sólidos e permanentes da economia e finanças de Portugal…

…  por exemplo, em 1973, o déficit da balança de pagamentos de Portugal, entre importações (25 milhões de contos) e exportações (16 milhões de contos), foi de 9 milhões de contos, integralmente compensado pelas remessas dos emigrantes e pelo turismo… déficit zero.

Curiosamente, nas décadas de 60 e 70, nenhum dos emigrantes partiu de Portugal, ou de Mangualde, por não terem por aqui emprego ou modo de vida certo e permanente; todos tinham, mas partiam sim, por serem melhor pagos lá pelas Europas e, com mais e melhores regalias.

Da minha família foram-se uns primos meus de S. Cosmado para a Alemanha, o Alexandre e irmã, outros para França, e por lá se ficaram até hoje, bem de vida e com filhos e netos, que já não quiseram regressar; deixaram de sentir, os filhos, que esta era a sua terra, e ficaram por lá todos; dizia-se à época, e era um facto, por exemplo, que Paris era a 2ª maior cidade de Portugal, o que nos fala do quanto Portugal foi sempre uma Pátria madrasta, para os seus “mais simples e humildes”.

A Europa vivia então um “boom”, um pico, da sua industrialização e reconstrução pós 2ª guerra mundial, e absorvia todos os trabalhadores que por lá aparecessem, com boas retribuições monetárias; tornou-se, pois, o sonho desses nossos “mais simples e humildes”, ou seja, de todos aqueles que pelo País fora trabalhavam vidas inteiras, de sol a sol,  ora lavados em suor dos estios ardentes, ora enrijados em invernosos frios de rachar, mal dando tal trabalho para o pão, e sem poderem amealhar a compra duma casa ou dum pedaço de terra, e assim, todos os que podiam foram partindo, em perseguição desse sonho maior da vida de cada um: – poderem fazer casa e comprar terra própria.

E partiram, de ânimo ao alto peito forte e feito, contra todas as adversidades da vida e o mais que lhes aparecesse lá por fora e, assim “armados e equipados”, quais guerreiros em luta pela vida, avançaram “heroicamente” para o desconhecido, para o  viver e trabalhar em mundos alheios, deixando para trás as suas vidas, famílias, amores, aldeias, casas, terras, amigos, tradições e, uns legais, outros como turistas, outros a “salto”, isto é, atravessando fronteiras como “ilegais”, etc… lá foram, e escreveram com letras feitas de trabalho duro e dignidade, incontáveis peripécias e sacrifícios de toda a espécie, uma outra saga, de “novos e menores descobrimentos” das lusas gentes, embarcadas em busca de mais prósperos viveres e melhores futuros, noutras terras, com outras gentes, e outras línguas, usos e costumes, enfim…. novos mundos; eram terras desconhecidas para todos eles, incertas e duvidosas, como os mares de antanho, mas que se revelaram, terras prometidas, para bem de todos e de Portugal também.

Quase todos foram bem sucedidos e bem recebidos em todos os Países onde se foram radicando, França, Alemanha, Suíça, Luxemburgo, etc… e foram sendo reconhecidos como trabalhadores de eleição, de inesgotáveis energias, competentes, amigos, leais, honestos, dedicados, pacíficos, não reivindicativos, dignos de toda a confiança, e por lá foram progredindo sócio e economicamente, de forma firme e consolidada, ao longo do tempo, integraram-se nas comunidades locais e são hoje, maioritariamente, cidadãos de pleno direito desses seus novos Países, muitos já em posições de destaque social de ordem vária.

Portugal, e todos nós, temos de nos sentir orgulhosos e muito, do prestígio que o trabalho dos nossos emigrantes, de há mais de meio século para cá, granjeou para o bom nome dos portugueses e do País, não só na Europa, mas também noutros continentes.

Fica-me a mágoa de que a maioria, com o nascer e crescer dos filhos e netos, por essas novas terras, por lá se tenham radicado definitivamente, nunca mais voltaram, nem voltarão, como os meus primos…

…. os seus descendentes, assumiram as novas nacionalidades como suas, muito mais ricas e de futuros muito mais garantidos, e por lá construíram os seus mundos de afectos, sociais e laborais, e Portugal deixou a pouco e pouco de lhes bater no peito, um Portugal que nunca mais teve oportunidades de vida para lhes oferecer, antes pelo contrário…

Mas, lá no fundo, todos os nossos emigrantes, velhos e novos, sonham um dia poderem regressar ao seu País…. a Portugal…. uma vez português, é-se português para sempre, na alma e no coração.

Um grande muito obrigado a todos os emigrantes do concelho de Mangualde, pela riqueza económica e cultural que, ao longo de 60 anos, trouxeram e trazem ao município.

OBRIGADO!